CAPÍTULO 3
O TERROR QUE PASSOU A ME ACOMPANHAR
MÃE: Ainda tenho no ouvido, o som de suas lágrimas.
Lembro-me que naquele ano de 1971, fiquei uma semana sem ir às aulas, pois permaneci de luto até completar o sétimo dia e foi o que minha mãe tinha determinado e quando retornei, meus colegas me olhavam como se eu fosse um morto que havia voltado a vida novamente. Talvez quisessem me perguntar como eu estava lidando com tudo o que nos havia acontecido, mas como crianças que éramos, não sabiam como fazer isso. Eu não sentia mais prazer nas brincadeiras na hora do recreio e em meus cadernos, passei a desenhar caixões de defuntos e velas acesas, simbolizando o meu próprio velório, pois eu estava morto também. O desempenho escolar caiu bastante e acabei sendo reprovado, repetindo no ano seguinte a quarta-série na mesma escola do bairro.
No meu aniversário, em dezembro, não ganhei um bolo, nem presentes e só voltei a sorrir outra vez, sem o pavor do mundo dos mortos que me rodeava, depois que, em um ano e meio, meus pais encontraram outra casa para alugar, aliviando-me de um fardo enorme e muito pesado, cheio de túmulos com suas caveiras, que pareciam habitar sobre mim e também naquela casa que havia se transformado em uma habitação sombria. Cresci me fazendo várias perguntas, sem respostas, tentando, como adulto, compreender o que o Orgel fez e o porque disso tudo. Minha mãe, na época com quarenta e nove anos de idade, pareceu envelhecer dez anos, com a morte do filho. Usou roupa preta por um ano e nos pediu que fizéssemos o mesmo, mas por apenas seis meses. Não sei se isso foi uma boa, pois dáva-nos um aspecto de muita tristeza. Lembro-me que eu me tornei um menino muito medroso, depois do que havíamos passado. +-+Tinha pesadelos, isso quando conseguia dormir, pois o medo impedia que eu pegasse no sono. Me acordava gritando, todo suado e as vezes, com febre vendo coisas que não estavam acontecendo, como janela do quarto se abrindo, cortinas batendo no teto, com ventos fortes e é claro, o temor por sentir que fantasmas passeavam pela casa toda. Minha mãe vinha me socorrer e eu acabava por dormir junto com meus pais, no meio deles e então me sentia seguro, mesmo minha cama estando no mesmo quarto deles.
As chuvas daqueles dias, também me assustavam bastante, os relâmpagos e as trovoadas, nas madrugadas, me faziam pensar que o Orgel gritava por mim, para buscá-lo e isso me aterrorizava. Não conseguia pensar noutra coisa, nas brincadeiras durante o dia e nos estudos, não me concentrava e as noites, tornaram-se de terror. A janela do meu quarto tinha que ficar só com os vidros fechados, pois eu não dormia no escuro e a luz dos postes da rua precisavam clarear aquele ambiente e a todo instante pensava que meu irmão morto iria bater na janela para tentar entrar e então, mesmo amando muito o Orgel, pressentia um sentimento de perigo, como se ele, mesmo sendo meu irmão e que gostava muito de mim, havia se tornado mau e que queria me arrastar para as profundezas da terra. Tinha medo de olhar para as vidraças, pois achava que ele podia estar lá fora, olhando-me deitado na cama e pedindo para ficar comigo e que estava se sentindo só e com frio, querendo permanecer com o irmãozinho caçula dele. Eu sofria muito sentindo desejo de ajudá-lo, mas o que uma criança pode fazer? Eu queria ele junto a mim, mas a ideia dele ter se tornado um morto-vivo me causava pavor e assim, pedia a Deus que não o deixasse padecer e sonhando com ele quase todas as noites, passeávamos e brincávamos felizes, mas logo eu me acordava com o choro constante de minha mãe e assim, percebia que a realidade era outra e que eu não sentia mais prazer e alegria em continuar vivo, pois como uma folha, levada pelo vento, passei a vagar…
Meu irmão mais velho, para assustar-me, falava para minha mãe, quando eu estava por perto, que o Orgel caminhava dentro de casa, à noite e que costumava datilografar numa velha máquina de escrever que tínhamos. E ouvindo isso, me arrepiava e o medo foi tanto, que acabei por ouvir, certa noite, acordado, de madrugada pois não conseguia dormir, o som das teclas da máquina de escrever, o que me fez gritar de pavor e chamar pela minha mãe, deixando meu pai zangado por causa disso, pois meus choros e berros, já estavam ficando frequentes. E ao lado de casa havia um pequeno riacho de águas sujas e quando chegava a noite, na hora que íamos dormir e os sapos cantavam e os gatos ali também miavam, eu chorava baixinho apavorado, pois segundo o meu irmão mais velho com mais uma outra mentira sua para me assombrar, naquele lugar onde era um rio, havia sido no passado, um cemitério só para crianças e que agora essas mesmas crianças mortas choravam pedindo para sair dali e se encontrar com seus pais. E eu pedia para Deus auxiliar aqueles meninos e meninas no seu sofrimento eterno e as vezes eu pensava que precisavam da minha ajuda e que eu tinha que fazer alguma coisa.
No dia seguinte, eu perguntava para minha mãe se ela não havia ouvido durante a noite criancinhas chorando no cemitério antigo ao lado de casa e então ela me respondia que eram na verdade, os gatos miando e que fazem isso, quando estão namorando e também os sapos que cantam, pedindo chuva. E nesse mesmo tempo, ela me perguntava da onde eu tinha tirado essas ideias, pois percebia em mim o quanto eu estava apavorado e mesmo minha mãe me explicando a verdade sobre os fatos, não me convencia, achando que meu irmão que havia me falado essas coisas, estava certo e então, todas as noites eu chorava, deitado em minha cama, junto as crianças que queriam sair para fora de seus túmulos, brincar comigo e sermos amigos.
Naquele ano, na primavera não vi as flores, nem percebi o canto dos pássaros, nem as cantigas dos sabiás que nos alegram nessa época do ano e tão pouco meus sobrinhos e eu tivemos Natal. É que o tal Papai-Noel, não visita casas enlutadas. Recordo-me que na véspera do Natal, na missa do galo, fui com o meu pai na mesma Igreja que velou o Orgel: eram 22 horas. Havia um pequeno Coral Vicentino que entoou o hino “Noite Feliz” e então, levantei-me depressa do banco onde estava sentado e fui para uma das janelas que estava aberta e com muita emoção, chorei olhando a noite escura do lado de fora, para que ninguém percebesse meu pranto, enquanto lembrava do irmão que se foi para longe de nós. Não era mais possível existir um dia sequer que fosse feliz, muito menos as noites, que para mim, tornaram-se assustadoras. Aquela canção não mais me deixava contente, pelo contrário, parecia a dor de uma doença incurável e que por isso, ninguém mais deveria cantá-la. E no dia seguinte, 25 de Dezembro, lembro-me, acordei cedo para ver o meu presente que deveria estar embaixo da árvore de Natal, como acontecia todos os anos, mas nada havia lá, somente o pinheiro enfeitado e o presépio simbolizando o nascimento de Jesus que meu irmão mais velho tinha armado, com a intenção, talvez, de alegrar o final daquele ano que nos tinha sido trágico. Não foi nada fácil olhar e não poder entender que nenhum presente estava lá, esperando por mim e pelos meus sobrinhos. A morte havia levado tudo de nós e não somente o Orgel , tomou também todos os natais felizes que sempre tivemos, com a nossa casa decorada e muitos doces, bolos e bolachas pintadas que minha mãe sempre adorou em fazer. Tudo tinha terminado para nós. Não sei como explicar, mas a tristeza foi muito grande para mim, enquanto eu olhava, imóvel, a árvore enfeitada sem os presentes e eu sabia que todos os meus amigos brincavam felizes e como eu ia dizer a eles que nada ganhei? E foi o primeiro Natal que isso aconteceu e nem sequer um doce havia, mas, para que, se nada mais seria importante mesmo, pois o meu irmão Orgel era o que mais nos presenteava e agora ele estava ausente, para sempre. Será que onde está meu irmão agora, tem festa de Natal? E será que lá, ele lembra em mim?
Hoje, penso a todo instante na coragem que alguém deve ter para tirar sua própria vida a ponto de não raciocinar que essa com certeza, é a sua última atitude e que depois… o que vem? Será que em momento algum o Orgel pensou na família quase perfeita na qual fazia parte e que a sua morte prematura romperia com força total, toda uma estrutura indispensável que um grupo de seres humanos necessitam para viverem unidos sob o mesmo teto? Será que ele não refletiu em cada um de nós, principalmente em nossa mãe, que hoje já é falecida, mas que jamais se resignou com a morte de seu filho amado? E o nosso velho pai, um herói corajoso que já mostrava em seu rosto, rugas de uma vida cheia de trabalho e cansaço, sem trombetas do mundo para o apregoar, teria ainda que sofrer essa infelicidade praticada pelo filho, num procedimento covarde? O Orgel deveria saber do erro que fazia, tirando a sua própria vida, mas com certeza não foi forte o suficiente para defender-se de si mesmo. É sabido que a morte, quando entra na família, muda todo o quadro de lar-doce- lar, pois ela rouba, destrói e machuca para sempre e assim, a tristeza, o medo, terror, incertezas e um vazio que dói como a dor da fome, foi em parte, resultado do que o Orgel fez. A semente que ele lançou, insiste em crescer junto, como um capim bravo e venenoso, ao lado do que também vamos semeando, enquanto vivemos.
E, anos depois, em 1982, meu pai que andava meio adoentado, as vezes pegava sua gaita de cor verde e arriscava tirar algumas notas musicais, tentando disfarçar o peso da desgraça que aos poucos ia lhe esmagando seu triste coração pela perda do filho e logo seus olhos enchiam-se de lágrimas e assim, o som daquela acordeona emudecia, pois não havia mais motivos para alegrar-se. E ao morrer, em Setembro daquele ano, com certeza deve ter levado junto com ele, além da inconformidade, a esperança de ver o seu filho novamente. E é o que todos desejamos: ver nossos entes queridos outra vez. Já imaginou? O Orgel que com a sua morte atingiu também os seus sobrinhos e nós, seus irmãos, um dia, estará em nossa frente e “todas as coisas serão passadas” (Apocalipse 21.4). E quanto a mim? A morte de meu irmão traumatizou-me, pois cedo sofri a dor que essa desunião de uma forma tão desumana, me causaria. Acredito que sou um sujeito um tanto desnorteado que chorarei para sempre a brusca separação. Para alguém querer frear sua própria existência, sendo jovem e lindo, o motivo deve ser muito forte para isso. Ninguém em sua perfeita consciência tomaria uma atitude dessas, sem se importar com os outros. A provável depressão deve ter agido e ele, sem apoio psicológico, fugiu, ou tentou escapar, da tristeza que lhe abatera. E olha que, de depressão eu entendo e as vezes, para mim, a vida torna-se uma idiotice, sem sentido para continuar. Já senti, algumas vezes o desejo de suicídio e essa vontade me vem com tamanha força que chego a sentir o paladar com gosto de mel e uma felicidade que até me assusta, em provocar tal ato contra mim mesmo com pensamentos me dizendo que só encontrarei paz na morte.
Mas não adianta querer sumir do mapa se a vida é eterna, tudo o que existe, deve ter uma sucessão ininterrupta de alguma forma do outro lado e a dor continuará, porém o Orgel precisava de ajuda, além disso, ele dava um sinal com a sua tristeza infinita, que algo estava errado, antes de sua partida. É provável que estivesse mostrando que precisava de socorro, pois calado ficava sentado no pátio de casa, após o almoço, quando vinha do seu serviço, onde trabalhava num escritório de contabilidade, que está situado no Edifício Planalto, na Rua Independência, esquina com a Rua Coronel Chicuta, oitavo andar. Não mais brincava comigo e quando regressava para o trabalho, nem sequer se despedia de nós. As vezes, voltava para a janta e depois ia ao colégio onde estudava e em outras ocasiões, nem aparecia em casa, somente no dia seguinte e lembro-me de um costume do Orgel, quando vinha dormir em casa: ligava seu toca-fitas e pedia para a mãe escutar uma música antiga “O Tango Do Adeus,” de Zé Fortuna e Pitangueira. Era um aviso que ele estava indo embora? É provável que todo suicida demonstra sinais do que pretende praticar, como nuvens mostram que pode chover. Quando me encontro nesses períodos de tristeza, falo aos outros do que, possivelmente posso fazer e que não se surpreendam e se entristeçam com minha atitude, porque eu escolhi assim. Por isso o Orgel avisava, talvez não queria fazer isso, mas meu pai, um homem simples criado na colônia até a sua maioridade, minha mãe conservadora, com isso, afastava-nos em assuntos íntimos e dessa forma, não havia um costume de falarmos nossos problemas, dúvidas, etc, a eles.
Porém, meu irmão morto, poderia estar ainda por aqui com a gente, afinal sempre há uma luz no fim do túnel e soluções existem. Mas ele tinha apenas dezoito anos e em seu rosto ainda havia um olhar infantil e isso o fazia desconhecer a saída e então era preciso que alguém mais velho o compreendesse e ensinasse o caminho. Se meu pai e minha mãe nada fizeram, além de só observarem a sua quietude, embora ficassem se perguntado o que poderia estar acontecendo, uma vez que o indagavam e ele nada respondia, caberia então, aos irmãos mais velhos entrarem em ação. Só que tinha um grave problema: o Orgel demonstrava não gostar muito dos irmãos mais velhos, pelas coisas que praticavam. Minha irmã tinha trazido três filhos seus para meus pais criarem: um casal do primeiro casamento fracassado e um menino de uma outra relação estável e o Orgel entendia que para os filhos, o melhor é ficar com os pais e que esses nunca deveriam se separar e meu outro irmão, chefe de uma gangue de desocupados, envergonhava a nossa família e o Orgel com estilo diferente, desaprovava tudo isso e sem diálogos, se afastavam e não se via união entre eles.
A pergunta é a seguinte: não poderia ser uma hora favorável dos irmãos mais velhos terem uma conversa verdadeira de irmãos para irmão, com o Orgel? E de quebra, sendo companheiros de novo, como na infância, fariam dele uma pessoa mais forte e assim descobrirem o que estava acontecendo e qual a desgraça que tão triste o deixava? Mas esses meus irmãos também eram jovens e então, não entenderam que aquele era o momento, uma oportunidade única dada pelo destino que tudo escreve, para serem amigos outra vez e quem sabe até, mudar o rumo da história, com um final feliz e um belo almoço teria sido servido em homenagem ao meu pai, pela passagem de seu dia, com muita música de gaita, o tal presente que seria dado pelo Orgel.
E isso prova que somos nós mesmos que traçamos nosso destino e fazemos nossa própria narração. Temos a capacidade de “…Sacudir o Mundo…” (“Tente Outra Vez”) Raul Seixas, mas creio eu que, meus irmãos mais velhos não deram mesmo muita importância ao caso. E o resto de nós, ainda éramos crianças: o meu irmão adolescente, eu e meus sobrinhos.
Hoje quem pede desculpas ao Orgel sou eu, pois se na época eu fosse mais velho, poderia quem sabe ter lhe ajudado e mesmo agora, sofrendo a tua falta, pelo teu ato impensado, deixando em mim, resquícios de um passado de dor, não o culpo e jamais o condenarei, pois só “há Um Juiz e Senhor” (Mateus 25.31-46), ao qual todos nós estamos submissos. Sei também, com certeza, que meus pais, em algum lugar distante daqui, pelo “abismo que nos separa do além” (Lucas 16.26), regozijam-se numa paz, a nossa espera. E tomara, Orgel, que o Senhor dos Exércitos, na sua mais infinita bondade, tenha misericórdia de ti e salve-o, afastando você do padecimento eterno pelo seu procedimento errôneo de ter ido embora daqui, sem consentimento de quem “…conheces o nosso assentar e o nosso levantar e de longe entende o nosso pensamento” (Salmos 139.2), pois assim como Deus não matou aqueles homens que tinham menos de vinte e um anos que se rebelaram contra Moisés no deserto, ao saírem do Egito, por entender o Senhor que não sabiam o que faziam pela pouca idade que tinham e por isso, não os condenou ao inferno (Êxodo- o Livro da Redenção), espero também que a Providência Divina pense o mesmo a respeito do meu querido irmão que planejou em usar a morte como solução. Eu preciso pensar assim, ter necessidade em crer que de alguma forma, “O Caso Orgel,” acabou bem, pelo menos para ele que se foi, como nas histórias infantis que ao final, todos vivem felizes para sempre.
Já existimos num planeta de expiação, onde aqui ninguém veio para residir num bem estar constante, então é preciso que a vida seja bem melhor na esfera espiritual que nos aguarda. Por isso é indispensável que se faça o bem, sem olhar a quem, semeando com isso, boas sementes para se colher bons frutos no futuro eterno. E enquanto isso, que o Senhor Deus tenha misericórdia de toda a humanidade, seus filhos, para juntos numa única só família espiritual e como irmãos que somos em toda a Terra, podermos louvar ao Criador, glorificando mais e mais o Poderoso Senhor que, morrendo na cruz romana por nós, ressuscitou em seguida, aniquilou a morte, enxugando para sempre as nossas lágrimas. E assim, em breve, todos os habitantes que residem neste planeta, juntos aos seus ente queridos, vivos, pela Graça do Senhor Jesus, entoaremos Hinos de Louvores ao Todo Poderoso, pela eternidade afora, esquecendo uma vida de dor e sofrimento neste plano hostil em que atualmente vivemos, pois “tudo isso já será passado” (Mateus 24.35). E essa frase é o que nos conforta, “tudo passado…” Tudo esquecido!
No entanto, enquanto estamos aqui, sentimos a lei da ação e reação, o retorno em forma de sofrimento pelo pecado praticado, “porque tudo o que o homem semear isso também ceifará” (Gálatas 6.7-8). E ao passo que vou vivendo neste plano de vida, a espera do término do meu caminho pelas areias quentes do deserto que vou atravessando e a liberdade para uma nova existência, recordarei sempre, cada gesto, cada lágrima, cada música que fazia sucesso naquela época, num acontecimento profundamente triste e que certamente destruiu a todos nós. E quando eu desencarnar e ir ter com o além, encontrarei esse personagem de nossa família, que cedo partiu e lá, então, com todas as nossas faculdades mentais normais e lembranças daqui que levamos para a vida além túmulo (Lucas 16.22,31), farei a pergunta que mais desejo: Por que se matou? Na real, cada um de nós traça uma história e o Orgel escreveu a dele, nas páginas eternas do Livro da Vida.
Mas por enquanto, pelo sarcasmo do destino, às vezes encontro nas ruas da cidade, o mesmo carro fúnebre que levou meu irmão morto para sempre e que ainda me impressiona, porém, só que agora, passa por mim calado, pois a morte sabe que não mais me assusta. E quando isso acontece, lembro-me do tempo em que o avistei pela primeira vez, eram cinco horas da tarde. Cinco horas daquela triste tarde de nove de Agosto de 1971. É o mesmo número cinco que apareceu novamente, muitos anos depois, matando minha mãe de câncer no colo do útero, cinco anos depois, que ela descobrira que tinha a doença (1979-1984).
Entretanto, em nome da saudade sem fim, o Orgel vem em meus sonhos onde brincamos, conversamos e sorrimos bastante e às vezes ele vem acompanhado de meus pais e junto também a um dos filhos da minha irmã, morto pelo uso desenfreado de drogas pesadas, sobrinho esse que era apegado ao finado tio e que muito sofreu essa separação, enquanto aqui viveu. Acredito que esses sonhos que todos temos com nossos falecidos, seja um conforto oferecido pelo o Amor de Deus, para que suportando a dor sentida, continuamos em frente. E hoje, seguindo a multidão, quando saio pelas ruas da cidade, faço de conta que vou ver o meu irmão novamente, sorridente para mim, nas praças, nas lojas, numa esquina, mas apenas fico nessa mentira que me mata por alguns momentos e então me afogo em meu próprio pranto. Mas quando paro e olho para as alturas, percebo em meio as brancas nuvens, o rosto de meu Salvador Jesus, dizendo-me: “Calma filho, eu venci a morte e em breve tu verás o teu irmão novamente” (itálicos do autor).
E assim o vazio que o Orgel me deixou, é provido pela promessa da Ressurreição (Apocalipse 22.3-5), me fazendo esquecer que um dia atravessei por um caminho árido e doloroso, em direção a Canaã prometida. Mas isso é só por poucos instantes, pois logo vem a já derrotada morte com seu exército lá do inferno povoar meus pensamentos, me fazendo lembrar de tudo novamente, usando como subterfúgio de que aqui, o planeta Terra, “jaz no poder do inimigo” (1 João 5.19). E são muitas as formas de recordar o terrível inverno de 71 que foi para toda nossa família, tão devastador e cruel a ponto de matar um ser humano, antes mesmo que chegasse a estação do sol. E um exemplo bem marcante para mim, são os pássaros “Quero-Quero,” que os conheci pela primeira vez lá no longínquo cemitério, quando também fiquei morando lá, junto ao meu querido irmão: toda vez que os vejo e ouço seus cantos, me vem à memória o dia em que me tornei desgraçado para sempre.
"Em cumprimento do Mandamento Celestial: "Parábola dos Talentos"
(Mateus 25. 14-30). CUMPRA-SE A PROFECIA.
Um acontecimento real, esquecido pelo tempo e que agora o passado que não pode ser enterrado para sempre...traz de volta.